Cacio e pepe perfeito? Físicos fazem experimento em busca da receita ideal

Típica receita romana é cheia de armadilhas e é uma escolha ousada para quem ainda está começando a cozinhar

sca Giuliani Hoffmanda CNN

Poucas coisas impressionam tanto os convidados de um jantar quanto um prato de massa preparado na hora, com perfeição.

Como uma apaixonada pela culinária e nascida em Roma, defendo que o cacio e pepe — uma típica receita romana, simples e deliciosa, mas cheia de armadilhas — é uma escolha ousada para quem ainda está começando a cozinhar.

Mas receita é simples: macarrão, queijo (cacio) e pimenta (pepe). Só isso.

 

 

“Quando se trabalha apenas com massa, queijo Pecorino Romano e pimenta-do-reino, não há margem para erro”, explicou Michele Casadei Massari, chef e CEO do restaurante Lucciola, em Manhattan, em entrevista por e-mail à CNN internacional.

“O maior desafio é criar uma emulsão estável: se o queijo esquenta demais ou se a proporção entre água e amido está errada, o molho desanda”, disse ele.

Quando isso acontece, o queijo vira uma pasta empelotada que gruda em tudo — menos no macarrão, que fica ali, abandonado e sem graça.

Como evitar esse desastre culinário? Com muita prática — errando no caminho, como eu já fiz — ou então com a ajuda da ciência.

Oito físicos italianos se uniram para desvendar o segredo do cacio e pepe perfeito. Eles estudaram como o queijo, o amido e a água se comportam em diferentes temperaturas, para tornar a receita infalível. O estudo foi publicado no dia 29 de abril na revista Physics of Fluids.

O truque? Adicionar uma quantidade precisa de amido de milho em relação ao peso total do queijo, o suficiente para evitar os temidos grumos.

Confesso que, quando ouvi falar dessa técnica, o meu lado purista da culinária romana ficou com um pé atrás.

A ciência por trás do prato

Em uma conversa em italiano, três dos autores explicaram que a ideia surgiu depois de algumas tentativas frustradas de preparar grandes porções de cacio e pepe. Como todos já tinham familiaridade com o conceito de separação de fases em líquidos, decidiram investigar o problema cientificamente.

“Todos nós amos um tempo no Instituto Max Planck, em Dresden, na Alemanha — alguns como doutorandos, outros como pós-docs”, contou Daniel Maria Busiello, físico estatístico da Universidade de Pádua. “A gente cozinhava pratos italianos com frequência, para italianos e não italianos.”

Fazer grandes quantidades de cacio e pepe, no entanto, era quase impossível. “Era difícil controlar a temperatura da massa e do molho, e os grumos apareciam”, relembra Busiello.

“Teve uma vez que ficou intragável. Foi aí que algo acendeu na nossa cabeça”, contou Ivan Di Terlizzi, outro autor e um dos melhores cozinheiros do grupo.

Ele compartilhou sua teoria com Giacomo Bartolucci, hoje biofísico da Universidade de Barcelona. Bartolucci havia estudado como proteínas se separam e se agregam nas células — e viu similaridades com o comportamento do queijo na receita.

“Partimos de um problema prático e de uma hipótese teórica”, explicou Busiello.

Revolucionar a culinária italiana é perigoso

Mexer em receita tradicional italiana, mesmo com base científica, é um terreno delicado. Por isso, todos os autores do estudo são italianos — de propósito. “Se a gente tiver que irritar alguém, que sejam italianos irritando outros italianos”, brincou Di Terlizzi.

Para entender o que acontece com o molho sob o calor, eles recriaram a receita em laboratório, com controle rigoroso de temperatura.

“Fizemos porções pequenas com quantidades exatas de queijo, amido e água, e aquecemos tudo aos poucos com um aparelho sous vide”, explicou Di Terlizzi.

A cada etapa, eles coletavam amostras do molho, colocavam em placas de petri e fotografavam de cima, observando como e quando os grumos se formavam.

O perigo da “fase mussarela”

A concentração de amido no molho se mostrou crucial para manter a estabilidade da emulsão. Se o amido for menos de 1% do peso do queijo, o risco é cair na chamada “fase mussarela” — quando o molho empelota mesmo em temperaturas mais baixas. Já com 2% a 3% de amido, o resultado é ideal.

Na receita testada para duas pessoas, eles usaram 5g de amido (de milho ou batata) dissolvido em água e aquecido até virar um gel. Depois, essa mistura é resfriada e combinada com 200g de queijo.

O uso de citrato de sódio, um aditivo comum em molhos industrializados como o de mac & cheese, também funcionou, mas deixou um leve gosto artificial, segundo Di Terlizzi.

O molho obtido com a receita científica é muito mais estável — aguenta variações de temperatura e até pode ser reaquecido.

O segredo, mais uma vez, está no momento da emulsão. Se o queijo for combinado com o amido em temperaturas baixas, a estrutura se mantém firme. Se for feito com o queijo já quente demais, as proteínas se desorganizam e viram bagunça.

Já vi muitas “dicas infalíveis” para fazer carbonara, por exemplo, que incluem adicionar creme de leite — um sacrilégio. Mas, pela ciência (e pela curiosidade), decidi testar a receita e conversar com os pesquisadores por trás do estudo.

Testando a receita científica

Testei a receita. O o a o foi simples, só exigiu mais etapas do que estou acostumada (como fazer o gel de amido).

Foi estranho trabalhar com um creme de queijo tão liso — parecia até molho pronto de supermercado. A pimenta continua a mesma: é só moer na hora e tostar na frigideira para liberar o aroma.

Eu e meu marido adoramos. O sabor ficou ótimo, e o fato de o molho não exigir tanta atenção no fogão ajuda muito, especialmente na hora da mantecatura (a mistura final com a massa).

Se eu senti alguma diferença foi na textura. Saber que havia amido ali influenciou minha percepção. Já meu marido nem notou.

Como cozinheira caseira e romana orgulhosa, sei que minha busca pelo cacio e pepe perfeito à moda antiga vai continuar por toda a vida. Mas essa versão científica me surpreendeu positivamente — e pode ser o empurrão que faltava para quem sempre teve medo de tentar.

Dicas de chefs para o prato tradicional

Mas o que exatamente torna tão desafiador preparar o prato da forma tradicional — ou seja, emulsionando o queijo com a água do cozimento da massa?

É praticamente impossível saber a quantidade exata de amido presente na água do cozimento, então o sucesso da emulsão é uma espécie de aposta. No entanto, há truques que ajudam a evitar o desastre.

Um deles, sugerido por Massari, é usar menos água para cozinhar a massa.

“Para o cacio e pepe, recomendo usar cerca de 1,5 a 2 litros de água para 200 g de massa — ou seja, uma proporção próxima de 1 parte de massa para 6 ou 7 partes de água em peso, bem menor do que a tradicional”, disse o chef.

Uma regra clássica para cozinhar massa, segundo Massari, é usar cerca de 1 litro de água para cada 100 g de massa, com 2 colheres de chá de sal.

Os pesquisadores, que usaram arbitrariamente uma proporção de 10 para 1 (água/massa), observaram que reduzir esse volume em dois terços concentra o amido natural da massa em um nível seguro.

Massari também recomenda emulsionar o queijo com a água da massa a menos de 60 °C, o que está de acordo com os achados do novo estudo sobre temperatura.

“Primeiro faço um creme frio com queijo, usando Pecorino ralado bem fino e uma pequena quantidade da água do cozimento rica em amido, batendo até ficar liso. Depois misturo essa base com a massa já fora do fogo e pimenta-do-reino moída na hora, ajustando a textura com mais água, se necessário”, explicou.

“O resultado deve ser um molho sedoso e uniforme, que envolva cada fio de massa — e não uma mistura quebrada ou pesada.”

“O amido natural da massa, quando bem aproveitado, é mais do que suficiente para criar um molho cremoso, estável e autêntico, sem comprometer o valor nutricional do prato”, completou.

Outro truque de chef para ganhar tempo ao seguir o método tradicional é a chamada “regeneração da massa” — que consiste em cozinhar a massa por cerca de 70% do tempo indicado, resfriá-la rapidamente em água com gelo para interromper a gelatinização e finalizá-la depois, pouco antes de servir.

“Esse método preserva a textura al dente e ainda aumenta a liberação final de amido na superfície, o que é essencial para estabilizar emulsões delicadas”, explicou Massari.

Comemorando com a receita testada

Os pesquisadores afirmam que a receita otimizada cientificamente virou meme, tanto online quanto offline.

“Alguns usuários nas redes sociais foram bem críticos quanto à receita que propusemos, mesmo ela já tendo sido usada antes em restaurantes de prestígio”, disse Di Terlizzi à CNN internacional. “Mas no geral, posso dizer que o entusiasmo prevaleceu, especialmente entre os cientistas.”

“Não vamos dizer que inventamos o método definitivo”, comentou. “Mas esse método evita que você estrague um bom, caro e difícil de encontrar queijo pecorino.”

E para os pesquisadores, isso é pessoal: “Estamos na Alemanha. Precisamos importar o pecorino da Itália. Não dá para simplesmente comprar na loja todo dia”, disse Di Terlizzi. “Então, quando o prato sai errado, isso incomoda.”

A publicação do estudo foi comemorada com um grande jantar de massa — os pesquisadores prepararam mais de 1,8 quilos para os convidados.

“Estávamos super nervosos, porque todo mundo ali sabia do experimento — mas deu tudo certo”, disse Busiello. Bartolucci completou: “Foi o nosso teste de fogo.”

Receita de Cacio e Pepe otimizada cientificamente

Nota da edição: Resumo da CNN internacional da receita apresentada no estudo. O Pecorino Romano DOP (Denominação de Origem Protegida) e a massa tonnarelli podem ser encontrados em empórios italianos ou lojas especializadas online.

Serve 2 pessoas

Ingredientes

  • Sal
  • 5 g (2 colheres de chá) de pimenta-do-reino em grãos, quebrados, mais um pouco para servir
  • 5 g (2 colheres de chá) de amido de milho ou de batata
  • 200 g (1 ½ xícara bem compactada) de Pecorino Romano DOP ralado
  • 300 g (10,6 oz) de massa, de preferência *tonnarelli* (espaguete ou rigatoni também funcionam)

Instruções

  1. Leve uma a grande com água levemente salgada ao fogo até ferver;
  2. Enquanto isso, toste os grãos de pimenta em uma frigideira seca, em fogo baixo, até ficarem aromáticos (1 a 2 minutos). Retire do fogo imediatamente;
  3. Prepare o gel de amido: dissolva o amido em 50 g (cerca de 3 colheres de sopa + 1 colher de chá) de água fria, mexendo com um batedor. Leve ao fogo baixo até engrossar e ficar quase translúcido. Retire do fogo e misture 100 g (cerca de 6 ¾ colheres de sopa) de água para resfriar. A mistura voltará ao estado líquido;
  4. Faça o creme de queijo: coloque a água com amido, o queijo ralado e a pimenta no processador de alimentos e bata até formar um creme liso;
  5. Cozinhe a massa até ficar *al dente*, conforme as instruções da embalagem. Reserve 1 xícara (237 ml) da água do cozimento antes de escorrer;
  6. Misture a massa com o molho, mexendo bem. Ajuste a textura com mais água, se necessário. O molho deve ficar um pouco fluido, pois engrossa ao esfriar. Se necessário, pode ser reaquecido suavemente (até 80–90 °C) antes de servir;
  7. Finalize com mais queijo ralado e pimenta e sirva imediatamente.

Cacio e Pepe do chef Michele Casadei Massari

“Recomendo usar espaguettoni de alta qualidade, feito com sêmola de trigo duro, extrudado em bronze e seco lentamente em baixa temperatura”, disse o chef. “Prefiro o trigo Matt, uma variedade antiga cultivada principalmente na Apúlia e na Sicília.”

Você pode encontrar spaghettoni Matt, pimenta-do-reino Sarawak e Pecorino Romano DOP em lojas especializadas online.

Serve 2 pessoas

Ingredientes

* Sal marinho, de preferência grosso e siciliano
* 5 g (1 colher de chá) de pimenta-do-reino Sarawak moída na hora, mais um pouco para servir
* 100 g (1 xícara bem compactada) de Pecorino Romano DOP ralado, mais um pouco para servir
* 200 g (7 oz) de *spaghettoni*, de preferência de trigo Matt

Modo de preparo

  1. Ferva de 1,5 a 2 litros de água levemente salgada em uma a grande. Toste a pimenta em uma frigideira seca, em fogo baixo, até soltar aroma. Retire do fogo imediatamente;
  2. Cozinhe a massa até ficar ligeiramente *al dente*, reservando 1 xícara (237 ml) da água do cozimento;
  3. Enquanto isso, prepare uma emulsão fria: misture o queijo ralado com uma concha pequena da água do cozimento (idealmente abaixo de 60 °C) até formar uma base cremosa;
  4. Escorra a massa e transfira para a a com a pimenta;
  5. Misture com o creme de queijo, ajustando a textura com mais água se necessário, até obter um molho brilhante e uniforme que envolva bem a massa. Finalize com mais pimenta e queijo antes de servir. Sirva imediatamente.

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