Conheça o vilarejo de 10 habitantes que está desaparecendo na Itália
A 120 km de Roma, Civita di Bagnoregio nos transporta diretamento aos tempos medievais com ruelas estreitas e construções preservadas, mas sofre há séculos com a erosão



Fundada pelos etruscos, sobrevivente da era romana e aprimorada nos tempos medievais, hoje a vila de Civita di Bagnoregio ergue-se imponente no horizonte do Lácio, região central da Itália. Pitoresca e profundamente histórica, há um porém: seus dias estão contados.
Conhecida como a “cidade que morre”, a vila fica no topo de uma colina acometida pela ação da erosão. Rodeada por vales, se tornou um pedaço de terra isolado ao longo dos séculos. A porção do solo que ligava Civita à irmã Bagnoregio, essa sim uma cidade maior e mais “firme”, desgastou-se.
O que podemos considerar como uma fatalidade natural, porém, tornou-se o charme local. Um dia o vilarejo sucumbirá à pressão do tempo e da erosão, mas não sabemos exatamente quando. Fato é que, por enquanto, podemos conferir esta pequena joia italiana com nossos próprios olhos e pernas.
Foi o que fiz durante as gravações da 9ª temporada do CNN Viagem & Gastronomia pela Itália. Além da farta gastronomia e da rica história de Roma, rodei alguns dos cantinhos mais graciosos do país de carro – tudo isso a curtas viagens a partir da capital.
Destinos não faltam: a apenas 25 quilômetros de Roma fica Castel Gandolfo, sede da residência de verão dos papas, transformada em museu por Francisco. Depois, Orvieto, na Úmbria, entrou na lista por conta de sua catedral digna de qualquer desvio e pela magnífica cultura e gastronomia. Assim, nessa viagem de carro, me deparei com Civita di Bagnoregio, ideal para escapadas a partir de Roma.
Atmosfera medieval

Civita foi construída em cima do tufo, uma rocha vulcânica porosa. Abaixo da camada de tufo há camadas de argila, também frágil. Com a ação da água e do vento, o vilarejo sofre com a força implacável da erosão. O que vemos hoje é resultado de muitos séculos.
Situada a 120 quilômetros ao norte de Roma, em um percurso que dura cerca de duas horas, a vila é ada exclusivamente por meio de uma arela de pedestres. Há estacionamentos perto da rampa de o e, lá de baixo, já sentimos a força deste destino.
Alcançar a única entrada, a Porta Santa Maria, exige boas pernas e fôlego, mas a subida é recompensadora. O portão monumental era um dos vários os que existiam no ado, até que, com os danos causados pela erosão e por terremotos, apenas este sobrou.
Cavado pelos etruscos há mais de 2.500 anos, foi decorado com um arco românico no século 12 e funciona hoje como uma espécie de agem para um outro tempo. Ao entrarmos nas ruas de pedras, somos levados para a Idade Média, que dita o tom do que encontraremos pela frente.
As construções históricas permanecem como eram, apesar do teste do tempo. Cativante em cada ângulo, Civita di Bagnoregio pode ser tranquilamente visitada em apenas um dia por conta de seu tamanho: são, aproximadamente, 150 metros de comprimento por 90 de largura.
A população também é diminuta. Estima-se que cerca de 10 pessoas fazem morada fixa no vilarejo, número que aumenta no verão. Apesar disso, todos os dias centenas de viajantes ajudam no fluxo e mantêm os negócios locais.
O que fazer em Civita di Bagnoregio

Torres medievais, casas de pedras, uma igreja central e ruelas estreitas sem trânsito de carros são um resumo do vilarejo, onde os ponteiros do relógio parecem ter parado.
A praça principal, a Piazza San Donato, é o coração da vila, onde festivais e procissões começam e onde o ado é honrado. Aqui fica a Igreja de San Donato, erguida originalmente no século 5 em estilo românico. Remodelada no século 16 com uma fachada renascentista, sofreu danos com um terremoto no século seguinte. Hoje, vemos afrescos da Renascença italiana e relíquias em seu interior.
Vale dizer que a igreja era, originalmente, a sede do bispado da região, mas devido aos terremotos e à erosão do solo, principalmente no fim do século 17, a sede foi transferida para a cidade vizinha de Bagnoregio.
Em Civita, mais do que visitar a antiga igreja, o ideal é repetir uma fórmula clássica na Itália: caminharmos sem rumo é a melhor forma de sentirmos a atmosfera e nos deparar com pequenos jardins, terraços, lojinhas e restaurantes.

De um jeito ou de outro nos deparamos com vistas do mirante, que nos presenteia com paisagens irresistíveis do entorno. Se bater a fome, algumas cantinas e osterias colocam mesas nas ruelas em dias mais ensolarados e servem o combo italiano imbatível: embutidos, massas e vinhos locais.
Para entender um pouco mais das características do solo frágil, o Museu Geológico, na Piazza de San Donato, é um eio cultural que ensina sobre os riscos naturais que o vilarejo enfrenta.
Com indicações claras no centrinho, também é possível andar alguns os e chegar na área conhecida como Antica Civita, espaço expositivo em cavernas dentro da rocha. Pelo preço simbólico de um euro (cerca de R$ 6,40) vemos prensas de azeite, ferramentas, arados e barris, objetos que revelam tradições rurais desde os tempos dos etruscos.
E uma curiosidade aos noveleiros de plantão: Civita di Bagnoregio foi usada como locação de cenas iniciais da novela “Esperança”, criada por Benedito Ruy Barbosa e Walcyr Carrasco, transmitida pela TV Globo entre 2002 e 2003.
Dicas para visitar Civita di Bagnoregio

- É cobrada uma taxa de entrada na vila. O preço atual gira em torno de 5 euros, cerca de R$ 32. O ingresso pode ser comprado na bilheteria situada na área que antecede a ponte de o à Civita;
- Para chegar em Bagnoregio, dê preferencia ao carro. Porém, é possível fazer uma viagem combinada de trem e ônibus a partir de Roma. Da capital, há trens para Orvieto, e de Orvieto é necessário pegar um ônibus até Bagnoregio. Esta opção é mais demorada e a logística demanda organização, com atenção aos horários dos trens e ônibus;
- Sempre consulte a previsão do tempo e dê preferência para visitar o vilarejo em dias abertos. A experiência é muito mais agradável e oportuna do que em dias com neblina ou chuva;
- Além da Civita, aproveite para percorrer Bagnoregio, a cidade irmã. Vá até a Piazza Cavour, a principal, com lojinhas, cafés e aquela simpatia da vida local; e conheça a Igreja de San Nicola, com arte sacra e artefatos históricos, como uma bíblia em pergaminho do século 12 e relicário em ouro e prata;
- Se der tempo, programe um pulinho até Orvieto de carro ou de ônibus. Para mim, é um dos destinos mais agradáveis da Itália.
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