Conheça Paco Morales, chef à frente do três estrelas Michelin Noor, em Córdoba

Córdoba não está na rota turística tradicional dos brasileiros no país, mas esse restaurante faz valer um desvio até o sul da Espanha

Ligia Prestescolaboração para o Viagem & Gastronomia

Pouco menos de 150km separam a graciosa cidade de Córdoba da conhecida Sevilha, na Andaluzia – região que já foi sede de um califado na Idade Média, quando os Mouros conquistaram a Península Ibérica. Os sinais dessa dominação árabe ficam claros por toda a cidade, principalmente na primavera, devido a uma característica única: o aroma da flor de laranjeira, tão peculiar que se tornou quase uma identidade sacramentada e indiscutível da cidade.

Porém, Córdoba não é exatamente um destino turístico famoso fora da Europa, apesar de haver muito a ser explorado, principalmente se levarmos em consideração as preciosidades gastronômicas dos “pueblos” que a cercam. Claro, para isso é preciso contar com um morador entusiasmado com gastronomia. E isso não é nada raro.

É exatamente nesse cenário que está o Noor, um restaurante que recentemente recebeu sua terceira estrela Michelin e tem à frente o genial chef Paco Morales, nascido e criado em Córdoba, que ajudou a colocar a pequena cidade na rota da mais alta gastronomia.

Casa da Luz

O restaurante não fica no centro da cidade, mas em um bairro residencial afastado, em uma rua com uma moldura clássica cordobesa, repleta de árvores de laranjeira.

Ao entrar no restaurante, a-se por um rito árabe – antes de entrar nas casas, eles lavavam as mãos com água de flor de laranjeira – a azahar – em temperatura agradável. Isso ainda acontece em uma antessala escura, e o perfume suave se mistura à ansiedade. Quando todos os comensais estão prontos, abrem-se as cortinas e a-se para a sala. A sala da luz.

“A obra durou muito mais tempo do que eu esperava. Tive que trabalhar muito minha ansiedade”, diverte-se o chef. E é um esplendor. O minimalismo e a opulência do teto com uma cúpula de madeira decorada que cria um espiral, se misturam com elementos da cultura muçulmana, deixando claro que Paco não deixou para trás a cultura de sua cidade. “Nós temos uma linha de pesquisa muito rigorosa, responsável e constante em nível histórico-culinário, ou seja, mergulhamos e nos inspiramos em documentos e depois transferimos para cada ingrediente da experiência aqui no Noor”, explica Paco.

Ele se sente imensamente orgulhoso em pertencer a uma região com uma tradição tão imensa e ao mesmo tempo se sente na obrigação de ser embaixador culinário disso, porém se aproximando simultaneamente da vanguarda e da modernidade. E isso fica muito claro no seu menu.

Ambiente do Noor com equipe em ação. Apesar do ambiente todo aberto, é quase imperceptível a voz e movimentos do time / Javier Penas

Mas antes, a polêmica da lista

Ao sentar-se à mesa de um restaurante três estrelas, o comensal aficionado quase sente uma lágrima escorrer. É como assistir a um balé em Moscou. Nada sobra, nada falta. Ao sentar-se à mesa, um recipiente de pedra com tampa aguarda os convidados – que na nossa visita estávamos em quatro pessoas.

Em segundos, três pessoas da equipe e o chef se aproximam da mesa e abrem, exatamente ao mesmo tempo o recipiente, e é de onde surge o guardanapo. Se você é um exímio observador e aficionado por detalhes, irá vibrar até o fim. As taças dispostas nas prateleiras, bem como todas as louças que ficam aparentes no salão, são colocadas milimetricamente lado a lado. Durante todo o serviço, a equipe não se fala e o chef fala com a equipe pouquíssimas vezes durante a montagem dos pratos.

O nível de treinamento para um restaurante desse nível é impressionante. Alcançar uma estrela Michelin é um trabalho fantástico, porém manter essa estrela até conseguir uma terceira não se trata apenas de boa comida, mas de padrão. E é exatamente nesse ponto que Paco Morales nada de braçada.

Competitivo desde sempre – seus pais têm um assador de frangos em Córdoba e ele competia com a irmã quem cortava frangos mais rápido – em poucos minutos conversando com o chef é possível perceber que ele não para de pensar um segundo. É nítida a mente ansiosa e perfeccionista.

Quando questionado sobre uma declaração que Francis Mallmann deu há algum tempo sobre como é caro manter-se no Guia Michelin, respondeu: “É claro que um restaurante que deseja estar no mais alto nível mundial requer um investimento constante e um custo igualmente alto, mas isso não significa necessariamente que não seja um modelo de negócio rentável. Entendo que ultimamente tem se questionado a rentabilidade de um restaurante de alta gastronomia, mas na minha opinião, isso não está relacionado com o nível do restaurante, mas com a capacidade de gerenciá-lo. Não podemos, claro, perder a dose do romantismo, porque isso satisfaz a alma do cliente, mas preciso ter a capacidade de rentabilizar adequadamente o negócio”, afirma.

Negócio esse que traz público de Paris, Barcelona, Madri, Portugal, entre outros que chegam via trem de alta velocidade para um jantar inesquecível. Porém, há um gargalo nessa equação: a rede hoteleira da cidade ainda não ajustou-se para receber esses turistas ávidos para conhecer o que o chef andaluz tem a oferecer. Não é incomum um bate-e-volta até Sevilha. Uma pena para a encantadora Córdoba.

O menu

O Noor oferece pratos inspirados em diferentes épocas históricas da região a cada temporada, o que o torna tão único. Os ingredientes utilizados em cada século são os disponíveis na época, por exemplo. Se você acompanha o menu a cada temporada, é como se estivesse colecionando a experiência ano após ano. Desde o califado de Córdoba do século X até os reinos taifas do século XI, e os Almorávidas e Almóadas nos séculos XII e XIII. Cada temporada traz uma culinária radicalmente distinta da cozinha espanhola contemporânea.

Os ingredientes são apresentados em cerâmicas pintadas, inspiradas nos azulejos da Andaluzia, e ocasionalmente em peças impressas em 3D. Na temporada de 2023/2024, há três menus degustação, com preços variando de 145€ (R$781) a 245€ (R$1.319), com opções de harmonização de vinhos por um custo adicional.

Paco e Paola, parceria na vida pessoal e no trabalho / Javier Penas

Cada momento do menu é servido em pratos específicos, com talheres selecionados para a experiência. Tudo com uma construção repleta de estudos que impressiona em um menu crescente que finaliza em um café repleto de pequenos quitutes cheios de história e sabores. Nem no fim, Paco deixa a desejar, tudo é constante. Um gênio que tem ao seu lado sua parceira, a competente Paola Gualandi, italiana com um foco impressionante. Menos falante que Paco, a chef também é detalhista, concentrada e chegou para, nas palavras de Paco, ser um “Pilar fundamental” no grupo Noor.

“É a primeira vez em minha carreira como chef executivo do Noor que posso confiar plenamente a responsabilidade de qualquer serviço a alguém. Apenas graças a ela que conseguimos tocar a operação do Qabu em Dubai funcionando em paralelo com o Noor e o El Bar de Paco, entre outros projetos. Sem ela, esse crescimento seria impossível”, diz.

Sobre o Brasil

Alex Atala é o grande nome para Paco Morales. “Alex é um divulgador da culinária brasileira. O conheci através de Andoni Aduriz, há 20 anos, em uma viagem pela selva amazônica”, relembra. Paco é encantado pelo tucupi e também conta que segue o trabalho de Rafa Costa e Silva do Lasai, no Rio de Janeiro, de quem é amigo e mantém contato para saber sobre o cenário da gastronomia brasileira. “Rafa faz um trabalho minucioso e atraente”, completa. “A culinária brasileira é para mim o reflexo de seus ingredientes, do seu povo e sua mistura de culturas. Os ingredientes mais puros que vi estão no Brasil”, acredita. Quando voltará ao Brasil para uma visita? “Quem sabe?!”, foi a resposta.

Fachada do Noor, em Córdoba, sul da Espanha / Javier Penas

Noor Restaurant
Calle Pablo Ruiz Picasso, 8, 14014
Córdoba 957 96 40 55

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